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quinta-feira, 4 de junho de 2009

'Areias que Falam': Um mergulho na história das comunidades do Velho Chico

Nesses tempos de crise econômica, ambiental, ética..., e aproveitando ainda o ensejo da "semana do Meio Ambiente" vale a pena conferir a matéria divulgada no site Cada Minuto sobre a pré-estréia do vídeo "Areias que Falam", dirigido por Arilene de Castro. O documetário mostra de forma poética a realidade dos ribeirinhos que vivem nas localidades de Pontal da Barra/AL, Cabeço/SE e Pixaim/AL.

Então, se o mal estar físico decorrente do calor ou frio excessivos, se as sucessivas catástrofes naturais, que por vezes destroem cidades inteiras, matando alguns e desalojando muitos, e se nem mesmo a iminência de um colapso total ainda não são suficientes para justificar atitudes moralmente éticas, ambientalmente sustentáveis e economicamente rentáveis, desejamos ardorosamente que a poesia e a música, aliadas nesse excelente trabalho cinematográfico, possam sensibilizar nossas autoridades, sobretudo aquelas que insistem na efetivação da equivocada obra de transposição do Rio São Francisco.

Confiram abaixo o vídeo e a entrevista com a diretora responsável.


Documentário, da diretora Arilene de Castro, tem pré-estreia nesta quinta-feira


por Anna Cláudia Almeida


A beleza da Foz do Rio São Francisco esconde impactos ambientais e alterações vividas pelas suas comunidades. Esta é a temática do Documentário “Areias que Falam”, de Arilene de Castro, resultado do projeto premiado na quarta edição do Programa Doc TV em Alagoas, que terá a pré-estréia hoje (04), às 20 horas, no Armazém Uzina, bairro de Jaraguá, em Maceió.

O evento, aberto ao público, faz parte do lançamento oficial do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro, que em Alagoas é realizado pelo Instituto Zumbi dos Palmares, através da TV Educativa de Alagoas em parceria com a Associação Brasileira de Documentaristas em Alagoas, com o apoio do Banco do Nordeste.

“Areias que Falam” são fragmentos poético-reflexivos da região da Foz do Rio São Francisco (Pontal da Barra/AL, Cabeço/SE e Pixaim/AL), dirigidos pelo olhar ribeirinho de Arilene de Castro: casas soterradas por dunas e queimadas, invasão do mar, barragens e hidrelétricas, assoreamento do rio, escassez de alimentos, resistência, hábito secular e esperança.



O documentário é um mergulho na história esquecida dessa região, numa narrativa organizada a partir de fragmentos da fala dos próprios moradores, possibilitando aos ribeirinhos falar de seus saberes, medos e sonhos, criando uma comunicação carregada de ancestralidade e livre de releituras elaboradas.

Acompanhe abaixo uma entrevista que a diretora do documentário, Arilene de Castro concedeu ao portal CADAMINUTO.

CADAMINUTO: O que vem a ser “Areias que Falam”?


Arilene de Castro: Um pedacinho da história de pessoas simples, que tiveram suas vidas tecidas pelas águas da Foz do Velho Chico.

CADAMINUTO: Como surgiu a idéia em produzir um vídeo sobre as comunidades que vivem as margens do Velho Chico?

Arilene de Castro: A idéia de fazer um vídeo sobre a comunidade de Pixaim existiu desde que comecei, em 2000, a trabalhar com publicidade. Até então, minha paixão era apenas o teatro, sua magia, seus cenários, seus personagens, seus atores e atrizes. Só quando comecei a trabalhar com vídeo, fazendo produção de comerciais na VTK Vídeo Produções, descobri que além do teatro existiam outros mundos, outras magias, com suas diferenças e também semelhanças, que me possibilitaria guardar para sempre um momento, um rosto, uma ação. Eu estava descobrindo, ainda que não soubesse, a sétima arte. Mesmo sendo de Piaçabuçu, tendo crescido as margens do Rio São Francisco, só conheci a comunidade de Pixaim, em 1999, quando dava aulas de teatro na Fundação Cultural de Piaçabuçu e ingressei no Grupo de Artes Caçuá. Fomos para festa de Nossa Senhora da Conceição, brincamos com as crianças, andamos de perna de pau nas dunas (que experiência!), cantamos e dançamos.

CADAMINUTO: Você já havia inscrito o seu projeto em 2006 e acabou sendo desclassificada. O que te levou a não desistir do projeto?

Arilene de Castro: Queria muito que um pouco da história de minha terra fosse conhecida no mundo todo, mas que essa história fosse contada pelas pessoas que vivem na região, com suas palavras, seus sentimentos, seus pontos de vista, sem interlocutores ou releituras, sem análises de especialistas ou a superficialidade de quem chega em um dia e vai embora horas depois. Queria que viesse de dentro pra fora e não ao contrário. Queria muito falar sobre o Rio São Francisco, “meu rio”, e essa era uma grande oportunidade, pois a exibição (que é um dos maiores “calcanhar de Aquiles” dos realizadores) já estaria garantida se o projeto fosse aprovado.

Depois, eu acreditava no “Areias Que Falam”, sabia que o projeto estava bem elaborado, sensível e que o tema, atual, despertava grande interesse. Por muitas vezes, escutava comentários, do tipo: “isso é enrolada, tem que ter conhecimento, é uma panelinha”, mas em momento algum, isso me intimidou, se eu ficasse me lamentando e falando de Deus e do mundo, esse filme não estaria hoje, concretizado e mais, ainda acredito que há pessoas sérias e honestas dispostas a contribuir com um mundo justo e acredito também na seriedade do Doc Tv.

CADAMINUTO: Como você selecionou os personagens reais que aparecem no documentário?

Arilene de Castro: Entre a turbulência em que me encontrava na oficina de Desenhos Criativos, uma das mais importantes decisões que tomei, foi de não ter apenas 03 personagens principais narrando o documentário, como era a idéia original: Sr. Aladin, representando a comunidade de Pixaim, Dona Adair, representando o povoado do Cabeço e Sr. Ozório (hoje, em memória), representando o Pontal da Barra. Ao invés de 03, resolvi apostar na fala de várias pessoas. O filme tomou outra dimensão. Muito mais trabalhoso, é verdade, mas bem mais forte, completo e singular. Sr. Aladin e Dona Adair, com suas lindas palavras, passaram a dividir a tela com outros sábios como o Sr. Zezé, o Duda, a Dona Camila, o Sr. João, a Maria ou as Marias, o Sr. João Lapada, a encantadora Gel, a Vilma e sua linda voz, o muito tímido Daniel, a Adriana, a Sandra, a Netinha, o Ilsinho, o Sr. Dié, o Carozo, a bela Aninha, o Carlinho Cearense, Sr. Loro, Sr. Leó, o Zuza, o Milton, o Gustavo, Sr. João Trindade, a maravilhosa Dona Ducarmo, Reginaldo, Coelho, Maria do Sr. João Cuzcuz, Dona Celina, Sr. Zé das Varas, Nilson, o sorridente Gagum, o Vânio, Antônio, Tânia, Edílson, Dona Rosa, Frei Carlos e outros mais, como o Zé Pendengo, o Nego, o Calixta, a Tanula, a Gil, a Tatá, a Mári, a Moça, a Eriane, a Simone, a Angélica, a Iara, etc, que nos doaram seus preciosos tempos, para que pudéssemos filmá-los em seu cotidiano.

CADAMINUTO: Em quanto tempo o documentário foi filmado e o que esse trabalho trouxe de positivo na sua vida profissional e pessoal?

Arilene de Castro: Passei 15 dias sozinha na comunidade de Pixaim, conhecendo as pessoas que ainda não conhecia, conversando muito com todas elas, fotografando, pensando, lendo, escrevendo, olhando e observando. Depois a equipe técnica chegou e filmamos durante 10 dias seguidos. Foi muito rico, mas também extremamente exaustante, pois o lugar, a pesar de extremamente belo, era completamente diferente do que todos nós estávamos acostumados: areia fofa, vento, sol escaldante, sem energia elétrica ou água encanada, sem banheiro, uma casa de taipa com todo mundo espalhado pela sala, quarto, corredor e barraca de campping no quintal. Os equipamentos eram carregados por um burrinho, numa carroça, por todos nós da equipe e pelas crianças da comunidade que sempre estavam por perto nos ajudando. Essa foi a primeira etapa. Voltamos a Piaçabuçu por mais duas vezes, onde ficamos por mais 6 dias no total. Na primeira etapa foi priorizado os depoimentos e na segunda, as imagens.

Profissionalmente aprendi muito. Acostumada com os filmes publicitários de no máximo um minuto, fiquei por várias vezes perdida ao pensar num gigantesco tempo (comparado aos vts de 30’, 1’) de 55’. Assisti muitos filmes, em especial documentários, observando a maneira como o diretor organizava a história, conduzia os depoimentos, posicionava a câmera, etc. Esse trabalho fez com que eu me conhecesse mais e entendesse meu processo criativo.

Se profissionalmente, os ganhos já foram consideráveis, como pessoa foi ainda maior. Nesse filme, pude exercer ao máximo minha sensibilidade e paciência. Aprendi ainda mais sobre valores que considero fundamentais, como o respeito às pessoas e ao planeta terra, nossa casa.

CADAMINUTO: Você nasceu e foi criada as margens do Velho Chico. Que magia o Velho Chico esconde que o espectador poderá conhecer nesse documentário?

Arilene de Castro: A beleza, simplicidade e sabedoria empírica de seu povo.

CADAMINUTO: O Rio São Francisco vem sofrendo diversos impactos ambientais. Como as comunidades ribeirinhas estão conseguindo sobreviver em meio a tantas mudanças?

Arilene de Castro: A sobrevivência nessas comunidades anda muito difícil, em especial para aqueles que vivem diretamente da pesca. Durante o tempo em que ficamos na Pixaim, presenciamos por várias vezes os pescadores voltarem pra casa sem ter pescado nada. Isso é muito triste, principalmente quando ouvimos as falas dos mais velhos, de como São Francisco era rico, com suas águas velozes, amarelas, trazendo fartura pra os ribeirinhos.

CADAMINUTO: Com o vídeo pronto, quem são as pessoas a quem você dedica esse trabalho?

Arilene de Castro: Em especial a meu pai, que me ensinou a amar aquela região e estava sempre presente (mesmo em outro plano), em toda filmagem. Ele era muito querido pelas pessoas, que me conheciam por ser sua filha, daí, conversávamos como se a gente já se conhecesse há anos. Tenho que agradecer muito também a minha mãe e a meu esposo, que sempre acreditaram em mim, as minhas irmãs, companheiras pra todas as horas e sem dúvida a todas as pessoas que contribuíram para realização desse filme, em especial a comunidade de Pixaim.

fonte: Cada Minuto

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